segunda-feira, 29 de outubro de 2012



Furto em sala de aula

Uma questão de ética e delicadeza


Marcia Stein
Educadora
 

 


 
          Experiências vividas por educadoras do Rio de Janeiro ajudam a derrubar alguns mitos e estereótipos sobre o tema. Num episódio ocorrido numa escola estadual, no Centro do Rio de Janeiro, Yacira Peixoto, professora de História do ensino médio, conta como um susto acabou resolvendo o caso, que rendeu boas conversas sobre ética e cidadania.

Primeiro, o susto; depois, aulas de cidadania.
         
         Nossa escola é uma unidade voltada para o ensino médio regular, de formação geral, priorizando a cidadania. É uma escola que, além da preocupação com o ensino de qualidade, com as mudanças sociais, também é conservadora quanto à questão disciplinar. Em função disso, os alunos não encontram aqui um ambiente propício à transgressão, e isso ocorre graças à unidade de pensamento que envolve o corpo docente, a direção e os funcionários.
        Em agosto de 2004, uma aluna de uma turma em que eu leciono - 1ª série do ensino médio, com alunos adolescentes e adultos - comunicou à direção do colégio o furto do seu aparelho celular, que desaparecera enquanto ela estava no recreio. Ciente da ocorrência, após o retorno dos alunos à sala de aula, a diretora adjunta da escola, professora Rosangela Carvalho, lembrou à turma que a responsabilidade da guarda de objetos pessoais e de qualquer outro material individual é do próprio aluno e que, por sermos uma comunidade escolar, devemos ter em mente a prática dos bons hábitos e costumes.
          Foi utilizada a estratégia de não caracterizar a ocorrência como furto mas, sim, como uma brincadeira de mau gosto. Por isso, optamos por dizer à turma que alguém provavelmente havia "escondido" o telefone para deixar sua dona preocupada.
       Comuniquei aos alunos que não cabia aos professores exercer o papel de polícia, revistando suas mochilas; entretanto, alertei para o fato de já ter solicitado que o colégio requisitasse a presença de um policial que faria a revista, caso o celular não aparecesse naquele dia. Demos um prazo de 10 minutos para que eles tomassem uma atitude, reforçando que, ao retornarmos à sala, estávamos certas de que o mal-entendido estaria resolvido. Todos ficaram em sala resolvendo a questão entre si.
          Por coincidência, o sargento responsável pela ronda escolar diária chegou à escola para o registro do seu comparecimento. Os alunos, acreditando que havia ligação entre o furto e a presença do policial, ficaram em completo alvoroço.
         Passados os 10 minutos, retornamos à sala de aula e fomos avisadas pelo secretário de que o celular tinha aparecido sobre um banco do pátio da escola. Se a rápida solução do caso se deu graças à visita do sargento, nós não podemos afirmar; o que importa é que não deixamos de aproveitar o episódio para conversar com os alunos sobre os direitos que todos nós temos - e que devemos preservar - sobre os bens pessoais e os coletivos etc.
       A escola não pode esconder esse tipo de ocorrência, devendo tratar esses assuntos com todos os alunos, em todos os turnos, a fim de evitar a reincidência. Em contrapartida, a equipe pedagógica deve preservar o aluno, garantindo o anonimato tanto dos denunciantes quanto das vítimas, evitando a estigmatização e a rotulação de ambos, o que é usual nessa faixa de idade.
          Acreditamos que o que o leva o aluno a furtar colegas e professores na sua própria escola é o fato de que isso já faz parte do seu universo social. Em geral, esse comportamento é anterior à sua chegada à escola, tendo origem no seu ambiente familiar e nos exemplos que ele recebe de sua comunidade - colegas, vizinhos etc. Faltam referências e modelos a serem seguidos em termos de conscientização para um comportamento social de respeito e solidariedade. Nesse contexto, a responsabilidade da escola na formação desses valores é maior, sendo importante, inclusive, envolver as famílias dos alunos em campanhas e debates sobre o problema.

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